Um Olhar Crônico Esportivo

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domingo, junho 04, 2006

A camisa verde, contra os fatos

Crônica de Ugo Giorgetti, no Estadão de 04/5/2006


Quinta feira vinha eu subindo a rua Purpurina, na Vila Madalena, quando alguma coisa fora do normal, deslocada, uma verdadeira visão do passado, chamou minha atenção. Na calçada ia um garoto de uns onze , doze anos, carregando um velho skate e vestindo uma camisa do Palmeiras.

Na noite anterior, num dos piores jogos da história recente do futebol brasileiro, esse time tinha perdido miseravelmente para o Flamengo.

Na manhã de quinta um amigo palmeirense sugeriu, num telefonema desesperado, uma providência drástica: que o time do Palmeiras acabasse, simplesmente se retirasse do futebol, ficando apenas como clube de piscinas e quadras de tênis.

Lembrou ele que o Paulistano, grande time de S.Paulo do começo do século XX , por outras razões, também tinha se retirado do futebol.

O Paulistano tinha uma grande torcida e também tinha conquistas importantíssimas na sua biografia.

Mas retirou-se assim mesmo (por não concordar com o profissionalismo), e nem por isso houve uma grande tragédia. Com o tempo seus torcedores foram se acomodando em outros times.

Dizia meu amigo palmeirense que era melhor recordar um grande time, altivo, superior, vencedor, do que assistir a essa lenta agonia, sem brilho, opaca, medíocre.

Um time que de temido passou a ser ridicularizado.

Que os milhões de torcedores do Palmeiras fossem procurar outros times ou mesmo desistissem de acompanhar futebol, mas que pelo menos na lembrança a imagem dessa grande equipe permanecesse intacta nos seus feitos.

Apesar de extremado esse pensamento não deixa de ter sentido.

Para uma torcida perder faz parte da vida. Mas decair inexoravelmente, uma decadência que não tem fim e que nada parece deter é demasiado penoso.

A própria torcida parece conformada com as humilhações. Na volta do Rio, temendo manifestações o ônibus do Palmeiras foi escoltado do aeroporto até o CET.

Mas não havia ninguém no aeroporto, não havia ninguém na CET, só indiferença, e silêncio.

Portanto se nada parece capaz de repor o Palmeiras no seu devido lugar, por que não adotar a solução do Paulistano, por mais amarga que seja?

Esse telefonema ainda soava na minha cabeça quando vi o o garoto com a camisa verde. Elas rarearam na cidade.

Não se veêm mais camisas verdes, e por que se veriam? Desacostumado olhei de novo.

A camisa do garoto não era a mais comum, da Parmalat , dos grandes dias.

Não, vestia justamente uma atual, da Pirelli. Era o time atual que ele exibia.

Sua solidariedade era para o time horrível, o saco de pancadas. Na sua solidão havia alguma coisa de heróico.

Aquele garoto desafiador, exibindo abertamente sua adesão ao time execrado e abandonado, foi uma revelação.

Vi que o Palmeiras é maior que esse punhado de consiglieres e "diretores", que se apoderaram do clube e que parecem decididos a liquidá-lo.

Eles também vão passar como passam todas as coisas.

O que não vai passar, pelo menos para mim, é a imagem daquela inesperada, surpreendente camisa verde desfilando orgulhosamente pela rua contra os fatos, contra tudo e contra todos.
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