Um Olhar Crônico Esportivo

Um espaço para textos e comentários sobre esportes.

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quarta-feira, agosto 29, 2007

Sucesso e boa viagem!


Ufa!

Mais dois dias e fecha a janela de verão para transferências.

(Verão? Com essa frente fria?... Verão europeu, cara-pálida, verão europeu.)

Segunda-feira será o dia de contabilizar as perdas.

Mas... Terão sido mesmo perdas?

Se foram perdas, quem perdeu?

Ah, o futebol brasileiro perdeu...

Certo, certo, é verdade, o futebol brasileiro perdeu.

Perdeu quem, mesmo?

Ora, minhas senhoras (poucas) e meus senhores (muitos), lamento discordar, mas nada perdeu o futebol brasileiro e tampouco perderam os clubes. Quando um executivo sai do Brasil e vai para outro país ninguém grita que “o Brasil perdeu” ou que as empresas perderam. Simplesmente aceita-se o fato, assim como se aceita sem maiores críticas a debandada anual de muitos milhares de jovens que deixam a aprazível Terra de Vera Cruz em busca de trabalho e salário em outros países. Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, Japão e Portugal, entre muitos outros, são os destinos dessa turminha que parte em busca de uma vida melhor ou, simplesmente, de uma vivência no exterior que permita-lhes adquirir conhecimento e, eventualmente, algum dinheiro também.

Antes de mais nada é muita hipocrisia toda a gritaria levantada em torno dessa diáspora futebolística. Cerca de mil jogadores deixam o Brasil ano após ano. Desses, a quase totalidade é formada por jovens sem emprego ou com um empreguinho que mal e mal atinge o salário mínimo ou passa um pouco dele. Pior: a maioria passa longos períodos sem ver a cor da bola remunerada, até porque a maioria dos times brasileiros vive durante 4 a 7 meses por ano, e nos demais hiberna.

Os holofotes voltam-se para Pato, Ilsinho, Josué, Carlos Eduardo...

Muito justo, são nomes como esses que chamam a atenção de leitores e telespectadores, mas esses são quatro, às vezes seis, nunca passam de dez. Os demais, os outros “990”, são nomes como Esrael, Abdias, Valter, Inácio e outros que nunca chegaram a ter seus nomes impressos num jornal qualquer. São tão desconhecidos como o amigo do meu filho que foi pra Inglaterra e de lá para a Itália, em busca de trabalho, salário e futuro. Seu nome só é conhecido da família e dos amigos, assim como os nomes de 996 jogadores de futebol que se mandaram.

Se ficassem aqui não trabalhariam. Ou trabalhariam em alguma atividade distante daquela com que sempre sonharam. Ao invés de jogar bola, assentar tijolos numa obra eventual, arrumar uma moto e fazer entregas malucas, morrendo numa rua qualquer aos 21 anos de idade, ou, tão provável quanto, ganhar uma grana “trabalhando” com pó ou pico ou fumo, e morrendo por uma bala aos dezenove, vinte, vinte e um ou menos ainda. Estatisticamente, o assassinato é a maior causa mortis na faixa etária de 16 a 24 anos.

Fica acertado, então, que a rapaziada deixa a doce e quente Terra de Vera Cruz em busca de trabalho e das coisas que associamos ao trabalho: salário e uma vida digna e decente. Ops, isso é teoria no Brasil, só é realidade em outros países. Um ponto a mais, então, para “sair do Brasil”.

E os pobres clubes?

Ora, ora, ora, os clubes nada têm de pobres. Se estão se arrastando pela hora da morte é por obra e graça de seus próprios dirigentes, gente, por sinal, sempre muito bem de vida em sua imensa maioria, quase totalidade.

Dizer que os clubes investem num jogador é uma verdade muito relativa, pois isso só acontece, de fato, com poucos clubes. E esses, bem ou mal e geralmente bem, sempre são remunerados quando um de seus “formados” vai para o exterior.

Outra coisa: ao investir num jovem jogador, o clube está fazendo o que lhe compete numa economia capitalista. Investe, sim, mas visando o lucro futuro. Não o faz por idealismo e sim por interesse. Tanto é verdade que para cada “formando”, sete, oito, dez outros garotos foram dispensados. Todo investimento pressupõe o risco como contrapartida ao possível ganho. Risco quer dizer que o clube pode ser dar bem, muito bem ou nada conseguir.

É assim o jogo em qualquer economia capitalista, sendo o lucro a recompensa pelo risco. Dessa forma, na minha visão, nada há para os clubes reclamarem.

O futebol brasileiro não está nem um pouco preocupado com essa garotada que sai daqui. Até pelo contrário, pois ao tê-los lá fora fica mais fácil olhar e convocar. Para o futebol brasileiro, essa diáspora é, na verdade, muito salutar, pois permite um giro mais rápido da rapaziada e o surgimento de muitos novos valores a cada ano.

Finalmente, mas não menos importante: dizem que os jogadores deveriam ficar mais tempo no Brasil, conquistar uma ligação maior com a camisa do clube que defendem, etc e tal. Sentimento bonito, não resta dúvida, mas o que deve fazer um garoto, quase sempre vindo da base da sociedade, onde tudo é necessidade e o supérfluo e boa parte do essencial não existem, quando surge uma proposta milionária em sua vida? Uma proposta que significará acertar a vida dele mesmo e de toda sua família? Vamos supor que ele fique, sensibilizado pelos pedidos dos dirigentes, mídia e torcedores...

De repente, num lance isolado e sem perigo algum, perdido num canto qualquer do campo, lá está nosso jovem valor de frente para a bola e de costas para um adversário que o acerta. Com ou sem intenção, criminoso ou não, a verdade é que lá vai nosso jovem valor para o hospital. Fraturas, recuperação, fisioterapia e a dúvida: voltará a ser tudo que era?

Não, minhas senhoras e meus senhores, nada disso, nada da molecada dar ouvidos a jornalistas, dirigentes e torcedores. Eles devem ouvir suas famílias e seus bolsos. Pois, em caso contrário, correm o risco real, verdadeiro, de serem perdedores, os únicos perdedores, como sempre foram.

Portanto, rapaziada boa de bola, boa viagem, façam sucesso e sejam felizes nas terras d’além-mar.

Por aqui, tentaremos ser felizes até a janela de inverno.


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