Um Olhar Crônico Esportivo

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sábado, outubro 13, 2007

Hoje, trinta anos atrás


A noite de 13 de outubro de 1977 foi diferente.

Havia um clima diferente na cidade, uma ânsia percebida com facilidade, uma tensão emanando da maioria das pessoas, talvez de todas, até mesmo das mulheres que nada sabiam do futebol, mas tinham maridos, pais, filhos, irmãos que sabiam e viviam a mesma expectativa, compartilhavam a mesma ansiedade. Mesmo quem não era corintiano estava contagiado por esse clima. Acho, mesmo, que a maioria até torcia pelo fim dos 23 anos de fila, sem um título de expressão. As exceções ficavam por conta dos radicais, que hoje, infelizmente, são muito mais presentes e muito mais radicais que outrora.

Vou contar uma história sobre aquele jogo. Para mim, é verdadeira até o menor dos detalhes. Alguns poderão achar que não, como acontece com todas as histórias. O que vou contar eu ouvi de alguém que presenciou parte dos fatos que se seguem e conheceu Dulcídio muito bem.

Três personagens marcaram a decisão: Basílio, autor do gol do título; Rui Rei, centro-avante da Ponte Preta, expulso no começo do jogo; Dulcídio Wanderley Boschillia, árbitro da partida. Essa história envolve o atacante e o juiz.

Rui Rei era ótimo atacante, mas briguento e irritadiço ao extremo. Era, também, muito “reclamão” e talvez, escondido, fizesse curso de teatro. Burlesco, claro.

Dulcídio era uma figura, mesmo para quem não o conhecia. Bom árbitro, conhecia as manhas e a linguagem dos boleiros e falava muito com eles durante todo o jogo. Brincava, dava risada, divertia e se divertia. Mas sabia ser duro e enérgico, ainda mais por se tratar de um profissional que abraçara a carreira militar desde cedo.

Dulcídio, e esse é um ponto importante, era honesto.

No jogo anterior, vencido pela Ponte, os jogadores – Rui Rei principalmente – deram muito trabalho ao árbitro Romualdo Arpi Filho e isso gerou uma preocupação para o terceiro e decisivo jogo. Diz Dicá, meio-campista ponte-pretano, que antes do começo da partida Dulcídio advertiu Rui Rei:

“Se você começar com frescurinhas, te mando pra fora.”

Logo aos 16 minutos de jogo, Rui Rei dividiu uma bola com um zagueiro, caiu, levantou e começou a reclamar, bem ao seu estilo espalhafatoso. Recebeu um cartão amarelo. Ao invés de ficar quieto e se afastar, Rui Rei continuou reclamando e gesticulando. Ora, desafiar Dulcídio era a última coisa que ele poderia fazer e fez, tendo a expulsão como resultado.

Dessa expulsão nasceram dois mitos: Rui Rei se vendera para o Corinthians e Dulcídio fora comprado.

O primeiro mito é falso: Rui Rei não se vendeu, fato admitido e aceito por seus companheiros de clube, como o próprio Dicá. O segundo, porém, é verdadeiro.

Como assim, “Bial”?

Pois é, foi assim mesmo: Dulcídio foi “vendido”.

Essa, por sinal, era prática relativamente comum há 30, 40 anos. Vendia-se um produto que raramente era entregue. Ou seja, bandidos travestidos em dirigentes, vendiam arbitragens para otários travestidos em cartolas.

No dia seguinte ao jogo decisivo, Dulcídio saía da Federação, na Av. Brig. Luiz Antonio, quando, no elevador, deparou com Vicente Mateus, o folclórico, mas esperto presidente corintiano. Ao seu jeito normal, foi curto e grosso com o presidente corintiano:

“Aí, velho otário, você pagou por uma coisa que eu nunca recebi. Pegaram teu dinheiro e te fizeram de bobo.”

Quem contou essa história presenciou esse encontro.

Muita gente sabe disso.

Teve carinha que apareceu bonito no pedaço, com carrão zero e o escambau.

Dulcidio pegou o elevador e foi embora, íntegro como sempre foi.

Morreu em 1998.

Como diz a pessoa (torcedor da Ponte Preta e do São Paulo, é bom que se diga) que presenciou o encontro e contou-me essa história, é importante sempre lembrar de Dulcídio e sempre, sempre, deixar bem claro que ele nunca foi desonesto, nunca vendeu jogo.

Assim como Rui Rei, mas essa é outra história.

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1 Comments:

  • At 2:02 PM, Anonymous Anônimo said…

    Incrível texto da história para que a viveu como torcedor....

    anthimestre@yahoo.com.br

    São Paulo

     

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