Um Olhar Crônico Esportivo

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terça-feira, fevereiro 26, 2008

Para pensar um pouco


Parte I – O sucesso de Joel Santana

O Flamengo venceu o primeiro turno do Campeonato Carioca e conquistou a Taça Guanabara. É uma disputa tradicional e de alto valor simbólico para os times cariocas, equivalendo quase à conquista do título.

Nas últimas semanas tive oportunidade de ler inúmeras críticas ao Joel Santana pelo fato dele estar escalando, basicamente, o time de 2007, deixando no banco as novas contratações. Alguns dos recém-contratados entraram em diversos jogos, mas geralmente saindo do banco. Tardelli chegou a ser titular e voltou para o banco.

Burro!

Essa foi uma das palavras usadas pelos rubronegros para expressar sua opinião sobre o treinador.

Burro?

Muito longe disso. Quisera eu ser 5% tão “burro” como ele. Joel é um treinador bem sucedido, fez história, ganhou títulos, ganhou dinheiro. É bem verdade que pouco brilhou fora do Rio de Janeiro, mas nem por isso deixa de ser menos importante ou bom técnico. E mantendo os novos contratados no banco ou até fora dele, Joel conduziu o Flamengo a mais uma conquista de título.

Ou seja, foi campeão com a base de 2007.

Parte II – Saídas & Chegadas

A janela de inverno foi cruel com os times de São Paulo e foi praticamente inexistente para os times do Rio de Janeiro. Saíram Breno, Leandro e Souza, do São Paulo, Eduardo Ratinho, Everton Santos e Zelão, do Corinthians, Caio, do Palmeiras, Maldonado e Marcos Aurélio, do Santos; do Rio de Janeiro, apenas Guilherme, do Vasco, foi para o exterior. Sem dúvida, não só pela quantidade, mas sobretudo pela qualidade dos jogadores, foi o São Paulo o time mais afetado nesse processo.

O bem sucedido “sistema defensivo” que esteve na raiz do sucesso do time em 2007 foi desmanchado, pois esse esquema começava ainda no ataque, passava pelo meio e terminava com a zaga e o goleiro.

Da mesma forma que muitos jogadores saíram, muitos outros voltaram. Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Santos e o próprio São Paulo reforçaram-se com muitos nomes, assim como o Fluminense. Talvez o verbo reforçar seja prematuro nessa frase, e seja melhor substituí-lo por “trouxeram”. Sim, fica melhor, trouxeram é mais correto que reforçaram-se.

É sempre difícil trocar um jogador para os grandes clubes brasileiros. Isso ocorre porque o treinador não consegue obter o jogador que precisa, e tem que aceitar o jogador que o clube consegue contratar. Como diz Muricy Ramalho, um técnico de um time europeu de ponta fala para a direção que quer Fulano. E Fulano é contratado. Mesmo assim, escolhendo a dedo o jogador, muitas vezes há um longo período de adaptação e “encaixe”.

Aqui, se o treinador chegar para a direção e falar que quer Fulano, ouvirá risadas e nada mais. A menos, é claro, que o Fulano em questão seja apenas um fulaninho, sem nome, perdido na base ou em algum time de menor expressão. O normal, portanto, é que, salvo raríssimas exceções, fulaninho vai chegar e ser somente mais um no elenco.

Dessa forma, é difícil para o treinador brasileiro montar um time, é um trabalho demorado, tenso, exaustivo. Às vezes o famoso encaixe acontece mais cedo, como parece estar acontecendo agora com o Santos de Leão. Resta ver se é um encaixe de fato, ou se é apenas uma fase passageira de bons resultados.

Outras vezes, a troca é ainda maior e envolve o técnico. Como no caso do Santos, e também do Palmeiras e Corinthians. Nesses casos, mais que a remontagem de um time, temos uma alteração em toda a cadeia de comando, nos métodos e na filosofia de trabalho. Curiosamente, mudanças tão radicais trazem, às vezes, resultados mais rápidos, em parte porque há uma menor cobrança e uma menor expectativa imediata. Todo mundo – torcedor, dirigente, imprensa – entende que tanta mudança requer mais tempo para que tudo se encaixe e isso, consciente e inconscientemente, gera menos pressão e acelera o resultado. É o caso típico do Corinthians, auxiliado, paradoxalmente, pela queda para a segunda divisão. Um bom trabalho da direção conseguiu fazer a torcida acreditar no time para esse ano e não para já. De repente, o time começa a apresentar resultados já, imediatamente.

No Santos a história é diferente. O treinador que saiu deixou a equipe, literalmente, arrasada, com reflexos na estrutura do clube, resultado de uma visão míope da direção que acreditou fazer o correto ao entregar, literalmente, o clube nas mãos de um treinador. A par disso, o Santos vem de um período de conquistas e destaque, com dois títulos brasileiros em cinco anos e boas participações na Libertadores. Tudo isso gera uma pressão muito grande e imediata e ela reflete no desempenho dos jogadores. Emerson Leão radicalizou, como é de seu feitio, e mudou tudo. De certa forma, com essas medidas destruiu grandes expectativas imediatas e está reconstruindo uma nova expectativa, prometendo um novo time para o futuro. Bem ou mal, parece estar funcionando e ele já consegue respirar com certa facilidade.

O Palmeiras veio de um bom ano.

Tinha um bom treinador.

Tinha um bom elenco.

Nada disso, contudo, era o bastante. Há uma ânsia no Parque Antártica, agora chamado por todo mundo de Palestra Itália, por grandes feitos, grandes conquistas.

Até mesmo voltar a usar Palestra Itália denota essa vontade, pois o passado é glorioso e Palestra Itália está intimamente ligado às grandes conquistas.

Vanderlei Luxemburgo é parte disso tudo. Em suas mãos repousa o desejo palestrino de voltar a ganhar. Aposta perigosa, mas não é o tema desse post.

No campo, Luxemburgo recebeu vários e excelentes reforços. Perdeu somente Caio, mas nem se pode dizer que perdeu-o, já que não chegou a tê-lo como jogador. Mesmo assim, está sofrendo para formar o novo time. Maus resultados em seqüência, de repente um, dois, três bons resultados, e uma nova queda, e assim vai, como se estivesse numa gangorra. Em algum momento o time vai se acertar e começar a voar. Será, quase com certeza, muito tarde para algo mais concreto nesse Campeonato Paulista, mas será ótimo para a Copa do Brasil e para o Campeonato Brasileiro – pelo menos até julho.

Parte III - Ainda...

Esse advérbio foi a palavra mais usada na matéria do Estadão de hoje sobre o São Paulo, que embarca nessa manhã para Medellín.

“... o São Paulo ainda está devendo esse ano” – Presidente Juvenal Juvêncio.

“... o time ainda não jogou o que todos esperavam” – idem.

“Ainda mais na véspera de um torneio tão esperado” – do autor da matéria.

“Ainda não apresentamos um futebol convincente...” – Rogério Ceni.

Não está na matéria, mas Muricy Ramalho disse vários “ainda” em entrevistas.

“O time ainda não encaixou.”

“Ainda falta entrosamento.”

“Ainda faltam jogadores, pois há vários machucados, há suspensões...”

Ainda e não, duas palavrinhas que refletem uma situação curiosa: o bicampeão brasileiro parece à beira de uma crise de nervos sem motivo. Ou melhor, o motivo talvez esteja nessa frase de Rogério Ceni, também na matéria do Estadão:

“O erro foi aceitar o favoritismo que a imprensa colocou.”

Favoritismo não só da imprensa, Rogério, mas da grande massa torcedora e também de muita gente do mundo da bola. O campeão brasileiro sempre começa o ano como favorito, não há como fugir disso. E esse favoritismo gera uma forte pressão de fora para dentro e também, o que é mais pernicioso, uma forte pressão interna. Os próprios atletas cobram de si e dos companheiros, querem mais, querem voltar ao bem bom do jogar bem e ganhar tudo. Quanto mais pressão recebem e geram, mais difícil se torna dar resposta adequada, os erros se sucedem, uma coisa atropela a outra, um atropela o outro. Acontece na vida de todo mundo, basta prestar um pouco de atenção. Porque é simplesmente humano, é assim que somos e funcionamos.

E, com isso, termino por aqui.

Novamente, e não por coincidência:

Parabéns, Joel Santana.

Um treinador inteligente, embora muita gente goste de tratá-lo jocosamente.

Mas ele é um cara que sabe das coisas.

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2 Comments:

  • At 1:32 PM, Anonymous Anônimo said…

    Emerson,

    Joel sabe mesmo das coisas. Se ele é tratado jocosamente, em muito a culpa é de setores pernósticos da imprensa. Uma imprensa que agora, finalmente, parece que cansou de tomar coices dos "professores engravatados em ternos de grife", ao vivo diante das câmeras. "Professores" que eles tanto idolatraram. Agora os vejo fazendo o mea-culpa, enaltecendo as qualidades de um "boleiro" como o Joel e o Muricy. Vejo muitas semelhanças entre os dois, além da comprovada competência. Pessoas inteligentes, mas com simplicidade. Um com seu jeitão paulistano, e o outro não pode ser mais carioca do que é. Gosto muito deles e acredito que tanto o SPFC, quanto o CRF, deveriam pensar em projetos com longo prazo para os dois. Algo similar ao que o Manchester United tem com o Alex Fergunson.

    Muitos confundem cultura com inteligência. Conheço pessoas que possuem cultura vasta, mas que são burros como uma porta.
    Mas também conheço pessoas ignorantes que são ao mesmo tempo muito inteligentes.

    Uma abraço, Rod.

     
  • At 12:47 AM, Anonymous Anônimo said…

    Emerson,

    admito que eu não gostei quando o Fla renovou com o Joel para este ano. Mas não vejo demérito nenhum em mudar de opinião. O cara entende - muito - de futebol, os "boleiros" o respeitam, e o currículo dele não precisa investigar.
    Se ele está bom para a Libertadores? Ora, se não estiver, quem estará? Joel é tão capacitado quanto qualquer um que possa ser citado nesta resposta.

    Grande abraço,

    Ricardo CRF

     

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