Um Olhar Crônico Esportivo

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sexta-feira, outubro 24, 2008

Muricy no Arena Sportv


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Depois de Vanderlei Luxemburgo, na segunda-feira, terça-feira Muricy Ramalho foi ao Arena Sportv. Tal como na véspera, uma entrevista, melhor dizendo, uma conversa excelente sobre futebol. Dá gosto ouvir os dois treinadores. Ambos conhecem profundamente e, mais importante, gostam de futebol e gostam do futebol bem jogado.
Ainda há pessoas que falam, erroneamente, que Muricy é retranqueiro, que gosta de jogar com três zagueiros e outras bobagens. Mesmo jogando com três zagueiros e três volantes, por exemplo, e mesmo não dispondo de um plantel com as mesmas opções ofensivas dos concorrentes, em especial Palmeiras, Cruzeiro e Flamengo, é do São Paulo o melhor ataque do Brasileiro 2008 e o maior número de finalizações.
Retranqueiro?
Pois sim. Muricy trabalha com os jogadores que têm à disposição e, como ele mesmo diz, monta seu esquema de jogo a partir de seus jogadores, ou seja, a partir da realidade e não do sonho.
Vou transcrever parte do que falou Muricy. Infelizmente, ou felizmente, uma semana atribulada não me permitiu sequer concluir essa transcrição. Ainda hoje postarei sobre algumas notícias ligadas aos patrocínios, inclusive a Phillips que, segundo o Estadão, será a nova patrocinadora do São Paulo.
Vamos à transcrição da primeira meia hora de papo. Procurei passar integralmente, até para dar o tom da conversa. Poderia ter editado algumas passagens, mas acho preferível assim. O que vocês lerão serão palavras proferidas e não raciocínios interpretados.
Os comentários e opiniões deixarei por conta de vocês.
Cleber Machado (CM) – Em 2007, aqui no Arena, o São Paulo estava tão à frente dos adversários que eu perguntei para você o que o São Paulo deveria fazer para não deixar de ser campeão. Sua resposta foi tão boa que o Armando Nogueira usou-a em sua coluna: “O São Paulo não pode achar que já é campeão.” E o São Paulo foi campeão. Hoje, nós temos uma diferença mínima entre os times, como fazer esse ano para ser campeão? Não só o São Paulo, mas os cinco times?
Muricy Ramalho (MR) – Conversamos com os jogadores antes do jogo contra o Atlético Mineiro, quando a diferença estava em onze ou doze pontos. Desde aquele dia, com um tom um pouco mais alto, a coisa um pouco mais pegada, nós encontramos o caminho e nos deram chance também. O time não está jogando um grande futebol, mas é um time competitivo. Nosso time não é um grande time desde o ano passado, é um time que depende muito do conjunto, depende muito do treinamento. Eu insisto nisso, sou repetitivo, é importante frisar, tem uma coisa que é importante no futebol que é o treinamento. Nós começamos a melhorar quando passamos a jogar uma vez por semana, porque nosso time depende do conjunto, depende do treinamento. Começamos a pontuar, a não perder para ninguém, e deixaram a gente chegar. O time está com muita confiança, a gente tem condições de chegar.
CM – Os cinco que estão brigando, todos eles têm essa mesma característica? São todos times mais coletivos que individuais, ou tem algum desses cinco que você fala “esse aqui tem um ou outro jogador que pode decidir o jogo?”
MR – Tem, tem time sim, tem o Palmeiras tem jogadores diferenciados, foi feito pra isso, que teve dinheiro e contratou bem, o Grêmio depende muito do conjunto, depende da bola parada, o Flamengo mais na base do entusiasmo, da torcida, oscila bastante, às vezes é a favor, às vezes é contra, né, o lado emocional conta muito; o Cruzeiro pra mim é o time que joga melhor, mais bonito, eu acho, toma gols, toma muito gols, mas também faz gols, porque agride o adversário, é muito difícil marcar esse time; quem não marca o Cruzeiro não tem jeito de ganhar. E o nosso é competitivo, depende demais da marcação, depende demais de informações, tem que informar demais o meu time, saber quem é o adversário, onde vai ser o drible, onde eles vão querer informar mais, então esse tipo de informação, o nosso time depende muito disso.
A tela mostra um clip com lances do fim de semana e termina com o goleiro Bruno, do Flamengo, dizendo “É um engolindo o outro”, antecedida pelo início da frase: “Se não der pra ganhar na técnica, tem que ganhar na porrada”.
CM – É isso, é um engolindo o outro?
MR – Você não pode levar em consideração o que o goleiro falou, tem que ganhar na marra, na porrada, isso é coisa só do falar, do linguajar do futebol, o que ele quer dizer é que precisa ganhar, é time grande, é time de ponta, você não pode pensar outra coisa, ou você ganha ou ganha.
CM – Você achou que tinha ganho já o clássico?
MR – Eu achei que estava muito forte o nosso time, tinha que tomar cuidado com o Palmeiras, o jogo estava morno, por incrível que pareça o Palmeiras jogou melhor o primeiro tempo. No segundo tempo o Rogério fez poucas defesas, o Palmeiras tinha a bola o tempo todo, só que não entrava lá, a marcação estava muito forte e a gente a qualquer momento ia dar o nocaute, a gente ia fazer o terceiro gol. Teve uma hora que a gente estava 4 contra 2, aí faltou um pouco mais de tranqüilidade, nosso time não é um time muito pensador, nosso time joga muito direto ao gol adversário, a característica do nosso time é assim, não tem um pensador.
CM – Não é assim que você gosta de jogar, Muricy, e tem muita gente que critica o São Paulo, critica o futebol como um todo, porque falta um jogador que pense. Falta porque? Porque o futebol não tem mais espaço para pensar? Por que não tem mais pensador? Por que os treinadores não querem mais pensadores, por que falta? Se todo mundo diz que falta, por que não tem?
MR – Acho que, primeiro, os grandes jogadores desse setor vão pra fora toda hora, não ficam aqui. Outra coisa que é importante: no São Paulo quando eu cheguei tinha esse problema na categoria de base, o infantil nosso – eu fui ver um jogo, porque eu gosto de ver – jogava no 3-5-2. Aí eu fiz uma palestra lá e a primeira coisa que eu disse pro treinador da base foi “isso não existe”. Porque aí chega em cima e você não tem mais um meia, não tem laterais, aí tem que inventar as coisas.
CM – Você acha que a base tem que criar pra você um lateral, um meia...
MR – Tem que jogar o tradicional
CM – 4-3-3, 4-4-2...
MR – ... e tem que dar muito pouco valor pro troféu. Porque esse é o grande problema da base, entra um diretor que é jovem, quer ganhar título, pra mostrar, quer subir, e aí força o técnico e o técnico começa a dar muita prioridade à parte tática...
CM – Física?
MR – Física não sei quanto, mas a parte tática é muito. Então o que acontece é que não tem mais meia. Por que a Argentina tem meias até hoje, volantes bons até hoje? Porque eles jogam o tradicional, jogam os meias...
CM – E o pessoal da base acatou...
MR – Há três anos que não jogam mais assim...
CM – Esse é o caminho que você acha para ter um meia-direita, um meia-esquerda... E chegar lá em cima e você escolher...
MR - Mas é claro, pô, obriga o cara a criar, não tem jeito, se você escalar um 10 e um 8, era como a gente chamava, vai ter que sair um 10 e um 8.
Vagner Villaron (VV) – E na base, Muricy, esse 10 e o 8, quando surge um garoto mais habilidoso, ele vira atacante, não é assim?
MR – Às vezes sim, nós temos uma esperança muito grande num 8, que é um 8 pro futuro, que é o Oscar, mas é 8. Mas por que...
CM – Tem 17 anos de idade, não?
MR – Tem 16 para 17 anos, levamos ele pro CT, tem um cara cuidando dele, cuidando da alimentação, tá ganhando peso, que é o que ele precisa, é um cara diferenciado.
Só que ele é um 8, e ele não joga assim. Se o time dele jogasse no 3-5-2, com dois volantes e ele, ele não ia ser um 8, ia ser um cara de ligação direta, entendeu?
CM – Agora, Muricy, você está falando isso e o teu time joga com 3 zagueiros.
MR – Claro.
CM – Às vezes mexe um pouco no jeito, mas é com 3 zagueiros.
MR – Claro.
CM – Se esse Oscar chega pra você, como é que você faz para usar um 8 e um 10, se no futebol hoje tem poucos 8 e 10. Talvez vocês também não escalem o time, que é a história do ovo e da galinha. Você não tem 8 e 10 no teu time porque não tem nenhum ou não tem nenhum porque não usa? Se chega o Oscar, como é que ele joga no teu time?
MR – Não uso porque nós não temos mesmo. Tivemos chance de contratar um este ano, mas não deu certo, e o nosso meio-campo, setor de criação, precisa de gente.
CM – Quem era o cara?
MR – Você fala, mas o ano passado, jogamos uma forma meio disfarçada de 4-4-2, mas jogamos. O Breno era lateral, como os times europeus, um dos laterais é zagueiro.
CM – Fica mais.
MR – Fica mais. Aí os volantes têm que jogar. Porque o que mudou no futebol mundial e aqui no país são os volantes que jogam. Meu time domingo: quem que foi lá cavar o pênalti? Foi o Jean. Quem é que tava lá no ataque? O Hernanes, são os volantes, são os que jogam.
Marco Antonio Rodrigues (MAR) – Mas Muricy, você perdeu dois jogadores que não eram de seleção, nem muito badalados, o Souza e o Leandro, eles não deixavam o São Paulo um time muito mais versátil, mais técnico, a perda desses dois jogadores mudou o jeito do São Paulo jogar? Você não conseguiu substituí-los?
MR – Nós perdemos mais, perdemos o Breno, perdemos o Alex Silva, o Aloísio, perdemos a frente nossa, que marcava mais adiantado, a gente perdeu. Por isso que o Richarlyson jogava, por isso que outro volante jogava.
CM – Mas eles não eram um 8 e um 10, nem o Leandro e nem o Souza.
MR – Mas era o que nós tínhamos. Eu uso o que eu tenho. Eu não tenho isso de “esse esquema é bom para mim, aquele não”, é conforme o jogador que eu tenho.
CM – Para quem for mais velho, pegando o time que você jogou, o meio-campo era Chicão, Pedro Rocha e Muricy...
MR – É isso aí.
CM - ... Terto, Serginho e Zé Carlos. Aí o Poy fazia o Zé Carlos virar meio-campo. Você era 8, o Rocha era 10 e tinha um volante só. Mudou isso.
MR – Mudou.
CM – O Zé Carlos de hoje é um volante, o Rocha de hoje é um volante. Quem é o meia que você... Vamos imaginar assim: Muricy, você tem todo o dinheiro do mundo e pode contratar o 8, o 10 do teu time. Quem que você queria?
MR – Como eu não tenho todo o dinheiro do mundo... Eu, por exemplo, a minha indicação no começo do ano, que era possível – porque não adianta chegar no seu Juvenal e dizer que eu quero o Kaká, esquece, é difícil, no São Paulo é difícil. Por que que eu indiquei o Conca?
CM – Você acha que esse é um 10?
MR – É um 10, pra jogar com outro armador...
MAR – O Alex também?
MR – O Alex também, o Alex do Inter, o Alex lá de fora, do Fenerbahce, são meias.
CM – É um meia diferente do Rocha, do Rivelino...
MR – Bem diferente. Hoje é mais dinâmico, não dá para pensar tanto como eles pensavam, mas com certeza são jogadores que dão o tempo do jogo, esses que eu falei que jogam hoje. Eles mudam o ritmo do jogo. Os dois Alex mudam o ritmo, o Conca muda no Fluminense toda hora...
CM – Thiago Neves é um cara assim?
MR – Não, o Thiago Neves é mais agressivo, esse é um ponta-de-lança, tem que jogar mais na frente, porque esse tem uma coisa diferente nele, ele bate muito duro na bola de fora da área. E no futebol de hoje é importante, porque é tudo fechado. Ele bate muito duro na bola. É um 10, mas é um 10 diferenciado. É um 10 que você tem que ser um time mais dinâmico, não vai cadenciar, porque a bola vai cair no pé dele e ele vai acelerar também. Então, depende do 10. Nosso time não tem um cara que a bola chega e pára. Nosso time vai agredir o adversário mesmo, não tem jeito.
CM – Quer dizer, o cara hoje precisa tanto parar quanto manter o mesmo ritmo...
MR – Mais ainda é da cabeça do jogador, é o cara que sabe fazer isso, é o pensador.
É o 10 que sabe que tem que acelerar e que tem hora que tem que acalmar, o jogo que você tá ganhando e tem que acalmar o adversário, fazer o time andar, fazer o time se posicionar, fazer o time se ajuntar...
Sidney Garambone (SG) – Quando o Carlos Alberto surgiu no Fluminense com 18 anos, ele era esse meia, era um garoto que lançava, praticamente não chutava a bola, servia muito ao Romário, de repente parece que ele mudou.
MR – Ele mudou, hoje é um carregador de bola. Ele não cadencia nada, ele pega e tem que ter algum obstáculo pra driblar, ele não passa, ele tem que ter alguma coisa pra driblar, esse é o forte dele, ir pra cima de alguém. Se você deixar ele solto para armar ele não consegue.
VV – Ele renderia mais como segundo atacante...
MR – ... como segundo atacante...
... – Ou como um terceiro...
MR - ... como no Botafogo, o Botafogo se expõe demais, porque tem os seus meias, principalmente ele, ele agride demais o adversário.
Parte II
CM – Você acha que falta qualidade no nosso futebol hoje? O nosso elenco, inclui aí os que estão aqui, os que estão fora, o nosso elenco hoje, brasileiro, é bom? Melhor que os outros? Igual os outros?
MR – Eu posso falar uma coisa, vou fazer aqui uma comparação. Eu vejo muito o campeonato Italiano, mas o que eu mais gosto é o Inglês, se bem que não tem nenhum inglês jogando (risos...), mas pega o Italiano, a gente não deve nada ao jogo deles. É o futebol de hoje que estamos praticando. É que estamos com a onda de que o futebol brasileiro é feio, que o Campeonato Brasileiro é ruim, tá bom demais o Campeonato Brasileiro. É que é jogo pegado, meu filho, é jogo disputado...
... – como em qualquer lugar do Mundo...
MR – Claro, como em qualquer lugar do mundo. Como o Campeonato Francês, não tem espaço, não tem um metro pra se pensar, o Italiano é igual, entendeu? Porque as pessoas têm que entender é isso, que não tem mais os Rivelinos, os Zicos da vida, acabou.
CM – Então você acha que a qualidade está menor?
MR – Não, não é que tá menor, é o futebol de hoje.
CM – Então o Rivelino teria que jogar dentro das características do futebol de hoje.
... – (vários falando)... os melhores jogadores mudaram...
MR – O Kaká é o melhor do mundo, mas é o melhor do mundo à maneira dele. O que que ele é? Força, potência, inteligência... Você vê o Kaká treinar, é diferente.
MAR – No seu tempo ele não seria o melhor do mundo com esse futebol, os jogadores eram diferentes.
MR – É, é claro, era diferente, mas não é que acabou. Os craques de hoje em dia são diferentes.
CM – O treinador tem culpa nisso? Ou o preparador físico?
MR – Não, não é que é culpa, o futebol tá evoluindo, a preparação física taí, cada dia tá melhor. Os treinadores estudam mais, lêem mais, vêem jogos muito mais. Então, hoje mudou e a gente tem que entender isso.
MAR – Esse achatamento entre o topo da tabela e os últimos, nunca tivemos um campeonato na pontuação tão próximo, a qualidade caiu, tá todo mundo mais forte, há equilíbrio... Você não vê como queda da qualidade.
MR – O campeonato tá muito parelho.
MAR – A Portuguesa ganhar do Grêmio...
MR – Por que? Por que? Bom, primeiro que a Portuguesa não é que não tem um time bom, contrataram muito esse ano, tem um bom treinador, que estuda demais o adversário, que eu conheço, que é o Estevam, e isso faz a diferença, pô. Não adianta dizer, treinador faz sim a diferença. A gente tem mania de falar que treinador não ganha jogo, mas ele perde jogo? Isso não existe.
MAR – Se não ganha, não perde.
MR – É claro.
VV – Mas ele ganha e perde?
MR – É claro.
... – Ele ganha e perde.
MR – Ele ajuda a ganhar e ajuda a perder.
MAR – Então o treinador ficou mais importante, por causa do equilíbrio?
MR – É claro, pô. O que precisa é do conjunto, conjunto é importante, por que os treinadores hoje gostam de treinar a semana toda, a semana cheia, como a gente fala? Porque dá tempo de preparar o time. Dá tempo de fazer a parte física, depois vem a parte técnica, depois vem a parte tática, você trabalha, e hoje você precisa fazer movimentos, precisa conhecer o adversário. O Palmeiras, por exemplo, nós sabemos que os dois volantes são dois jogadores pra frente, pra trás têm dificuldades, tanto é que os dois volantes agrediram eles, nós levamos o Leo Lima lá pro campo deles, ele teve dificuldade pra marcar o jogador nosso. Se eu coloco alguém só pra marcar ele, ele ia arrebentar com a gente, porque ele sabe jogar, mas tem dificuldade pra marcar. Então, são informações que tem que passar para os jogadores. Isso faz diferença.
O Hernanes voltou a jogar bem domingo com essas informações, ele agrediu demais o Palmeiras. Então isso é importante, pô.
CM – Então, Muricy, você tem toda a razão. Mas ao mesmo tempo você fala assim, o Rivelino hoje seria o melhor do mundo. Você tem toda a evolução tática, física, a informação, tudo isso perfeito, o que se discute é que você não tem pra fazer tudo isso que você passa, pra aproveitar o físico, o jogador diferente. Essa é a minha dúvida.
MR – Ah, claro...
CM – ...eu não concordo 100%, acho que o Messi é diferente à beça...
MR – Tem, mas não tem muito, né?
CM – ... e os melhores não estão aqui, né, os brasileiros...
...
CM – ... então, a minha pergunta é assim: o quanto o técnico, com a necessidade de ganhar o jogo, aqui muito mais do que lá – lá também tem que ganhar, mas tem mais garantia de poder trabalhar a temporada ...
MR – ... é, tudo isso influi...
CM - ... Você pega um, dois, cinco times, e são bons, time que é bom é bom, mas você não vê um jogador do brilho, quando vê, ele ganha uma importância... o Cristiano Ronaldo, o Messi, o Kaká...
MR – Mas será também que no nosso país... No meu tempo, a única diversão que nós tínhamos era jogar futebol e nós tínhamos lugar pra jogar. Hoje, muita gente que sabe jogar futebol, larga o futebol por outras coisas. ... Eu acho que tem muito menos gente jogando futebol que antigamente.
CM – Menos gente?
MR – Muito menos. E num país como o nosso, que faz jogador toda hora, a quantidade é super-importante.
CM – E continua fazendo mais que os outros.
MR – É, continua, mas porque? Porque é natural o Brasil fazer jogador bom. Então tem muita coisa que acontece e o jogador desiste. Ele desiste, vai pra outro lugar. Não tem mais campo pra treinar, tem escolinha pra treinar.
... – Tem que ter dinheiro pra pagar escolinha.
CM – Mas você acha que no mundo tem jogadores bons? Tem caras que decidem jogo?
MR – Ah, tem, se você pega o Messi é brincadeira. Esse decide jogo. Se o jogo tá ruim, dá pra ele. Ele tira dois da frente e faz o gol. Outro dia contra o time do Ilsinho lá, o Shaktar Donetski, tava 1x0, ele entrou e virou o jogo. Ele ganhou o jogo. Ainda tem. O Kaká voltou à Seleção Brasileira outro dia e fez a diferença contra a Venezuela.
SG – Mas o Messi, ele falou outro dia numa entrevista, que quando ele era garoto jogava contra caras maiores e a solução dele foi ficar mais ágil e driblar. ... Mas quando você vê um jogo do futebol brasileiro, a gente não vê, eu não sei se é culpa lá da base, os lançamentos, a inversão de jogada de um lateral pro outro, os passes de 40 metros. Você dá a bola prum jogador de meio-campo ele pára, vira e dá, você não tem mais aquela jogada de primeira, abrasileirada, dá a impressão que foi tanto fundamentozinho aprendido, pára-olha, pára-olha, tanta coisinha tática, que chega lá em cima ele fica um pouco engessado.
MR – Pode ser. Por isso que no Brasil temos uma coisa que é muito errada. O país que é pentacampeão do mundo, tem o melhor futebol do mundo, só que nesse futebol se fala muito pouco de futebol.
CM – Você acha mesmo?
MR – Eu acho.
CM – Eu tenho a impressão que tem tanto programa...
MR – Não, não é programa...
CM – É entre vocês?
MR – É, tem que reunir, falar, só tem um congresso por ano, que é o Parreira quem faz...
CM – É útil?
MR – Claro que é útil.
CM – Você gosta?
MR – Eu gosto, eu adoro falar de futebol, é difícil eu ir nos lugares... Eu acho importante, a gente se fala muito pouco. Falta um pouco eu não sei se é união, ou alguém tomar a iniciativa, os técnicos ficarem mais juntos... Outro dia nós fomos num lugar, eu, o Mano e o Vanderlei, e foi muito legal, foi um papo de futebol, não foi uma palestra onde só um falava, foi uma troca de informações, você vai falando... A gente não se encontra aqui e fala de futebol e não tira alguma coisa de bom?
CM – Claro que tira.
MAR – Treinador de seleção brasileira já te procurou pra conversar alguma vez?
MR – Uma vez aqui no Arena, um tempo atrás, eu falei que, não sei se por iniciativa da CBF, devia marcar um encontro, um almoço lá no Rio de Janeiro, traz os técnicos aí que vocês acham, e saber o que acham da seleção brasileira, ou o técnico da seleção brasileira ir aos clubes conversar um pouco.
MAR – Nunca aconteceu nada...
MR – Nunca aconteceu nada.
CM – Você iria se fosse técnico da seleção?
MR – Eu iria. Não tenho nenhum sentimento de melindre, de vergonha, esse tipo de coisa, não tenho esse negócio. Eu posso ir lá conversar com o treinador, saber como é que está seu jogador. Qual é o problema de ir visitar o cara? Nenhum, pelo contrário, você vai crescer conversando com o cara, não pode ter essa coisa de melindre.
CM – Mas há uma resistência?
MR – Não, não é que há uma resistência, não existe isso.
Vários – O Parreira pensava nisso... O Dunga chegou a ir num treino do Internacional...
VV – Mas não há o esquema, o cara se programar pra isso na agenda de trabalho dele.
MR – ...fazendo parte da programação dele, ver no clube os jogadores que ele acha que têm chance, tá certo. E perguntar pro treinador, não custa nada perguntar pro treinador, o treinador pode dar a opinião dele.
VV – Mas isso não é reflexo dessa mentalidade que existe no mercado de treinadores, de um olhar pro outro...
MR – Com certeza.
VV – ...que estão me secando, que querem o meu lugar...
MR – Mas às vezes querem mesmo, entendeu?
VV – Mas é possível identificar quem é quem?
MR – Ah, sabe, no futebol a gente sabe tudo, no futebol a gente sabe quem é quem.
Os treinadores são assim mesmo, estão desempregados, manda o auxiliar num jogo, forçar uma barra, manda o empresário ligar, eu sei como funciona isso.
VV – Então, mas quem em tese organizaria um encontro assim, estaria correndo o risco de ter ao seu lado pessoas que não estão com a mesma disposição, com a mesma boa intenção...
MR – Tem um negócio, eu acho que quando você vai direto na pessoa, você quebra aí a pessoa. ... O cara pode ser esperto e coisa... Mas na frente do cara, o cara muda. Pode ser que isso seja importante também, você faz essa aproximação...
Muricy diz que tem treinador que não gosta de receber outro técnico para conversar, fazer estágio e fala que isso ocorre por insegurança. Diz que no São Paulo ex-jogador entra a hora que quiser, que não tem problema em receber ninguém para fazer estágio.
VV – Você acha que secam muito o Dunga?
MR – Ah, secam! Se eu falar que não, estou mentindo. Secam sim e ele sabe.
CM – Mas é uma secação por vontade de estar lá, ou por não gostar do que está vendo.
MR – Por vontade de querer o lugar.
MAR – Você está vendo os jogos da Seleção no Brasil. Eu não estou gostando nem um pouco, nem você pode estar gostando.
MR – É claro, nem o Dunga está gostando. Dentro do Brasil não está jogando como tem de jogar, não sei o que está acontecendo, mas é difícil de falar, é importante o dia-a-dia e a gente não sabe o que está acontecendo lá. Agora, o que a gente pode fazer é torcer... Sei lá, porque fora tá jogando bem. Eu não sei se esse time tem que mudar as características quando joga em casa, porque fora já acertou.
CM – O Muricy falava sobre a seleção brasileira, que vem jogando bem fora e tem problemas em casa, e o Marco Antonio Rodrigues botou o São Paulo na parada. Então eu vou aproveitar e perguntar: muitas vezes você joga no Morumbi e sua para ganhar...
MR – Demais.
CM – ... o time do Cruzeiro joga no Mineirão e sua... O único que me parece que tá deitando e rolando em casa mais que os outros é o Grêmio. E também o Palmeiras. Ao mesmo tempo, Muricy, se é mais fácil jogar hoje como visitante do que em casa, porque tem menos de 20% de vitórias dos visitantes?
MR – É melhor jogar em casa, como não?
CM – É melhor?
MR – Mas a gente encontra dificuldade. Eu tenho dificuldade hoje com meu elenco, não é tão assim como era.
CM – Você mudaria o teu time para jogar em casa?
MR – Ou mudaria durante o jogo, também.
Durante a conversa falou-se que também lá fora os grandes times têm dificuldades, mas Muricy fala que eles têm elenco que nós não temos no Brasil, é diferente, e mais fácil mudar, e que ainda fica jogador até fora do banco de reservas que “é brincadeira”. Aqui não tem como.
CM – Qual é a diferença de jogar em casa e jogar fora para você montar teu time?
MR – A diferença é que você tem que apertar um pouco mais em casa, porque o outro time vai ficar atrás. Quer dizer, alguns times. O Cruzeiro não veio no Morumbi pra ficar atrás, o Vitória não vem no Morumbi pra ficar atrás, o time não tem essa característica de ficar atrás, o técnico deles não é assim, os jogadores não são assim, porque é um time jovem, um time meio irresponsável, pega a bola e vai mesmo pra cima. O Cruzeiro é igual. O Cruzeiro nós jogamos com eles aqui quase no contra-ataque. Por que? Porque nós sabíamos que eles vinham agredir o São Paulo aqui no Morumbi e agrediram mesmo. E agredir o São Paulo é ruim. Porque é o que a gente gosta.
CM – E quando você pega um time fechado...
MAR – É um festival de chuveirinho...
MR – Aí eu tenho que fazer o que? O Marco Antonio falou, é um festival de chuveirinho. Acontece, meu filho, que se não vai por terra, é que nem futebol americano, vai pelo ar, eu tenho que ganhar o jogo, tenho que apertar os caras até sair. O Náutico outro dia jogou atrás 89 minutos. Uma hora eles iam tomar uma porrada e perder o jogo. Porque não tinha como, a gente bateu neles o tempo todo. Então se não vai por baixo vai por cima, não tem como. Agora, você tem que ter essa característica. Nós tínhamos o Adriano esse ano, o Aloísio, agora nós estamos com dificuldade, nós estamos com o Borges que não é um grande cabeceador, e estamos com o Dagoberto e André Lima, que é nossa opção.
CM – Quando você pega um time fechado você tem que dar a bola pra ele, pra pegar e ir lá...
MR – Nós pensamos muito o adversário...
MAR – Aí faz falta o habilidoso no meio campo, o criativo...
MR – O que falta é o que tira alguém da frente. Quando você tem um time fechado pela frente, você tem que ter o drible. Nós não temos um grande driblador no nosso time. Nós temos um time que depende de jogadas. Nós não temos um cara que tira alguém, é difícil.
SG – Agora com toda a tua humildade, Muricy, quem olha, quem ouve você falar do São Paulo, acha que é um time que só vai ganhar de 1x0 e tal, e eu estive vendo uns números do São Paulo...
CM – Melhor ataque do campeonato.
SG – ... vocês são os primeiros em finalizações, com 383, né, e ao mesmo tempo vocês não têm o artilheiro. O que mais marcou, o Hugo, tem dez gols, que é a metade do artilheiro do campeonato.
CM – Faz tempo isso, que o São Paulo não tem um artilheiro.
SG – ... é... de uma forma geral, o São Paulo tem jogadores que sabem fazer gols.
MR – Eu acho simples, falam um pouco demais do futebol, mas tem duas coisas que o treinador tem que focar muito em duas coisas, e fora isso eu acho que é um pouco de fantasia. Que, é: Ó aqui, moçada, a gente sem a bola vai fazer o que, nós vamos marcar quem? Quem são os caras? Como é que a gente vai fazer? Vai marcar pressão, meia-pressão, na frente, onde eu vou marcar, atrás da bola, onde nós vamos marcar? Aí, tomamos a bola, quem é que vai agredir os caras? Você, você, você, você e você; eu tenho toda a liberdade pra chegar lá no gol dos caras. Então nosso time é muito definido nesse sentido, é muito definido. Não tem artilheiro, não tem um grande pensador, mas é um time que quando toma a bola vai agredir o adversário. Tanto é que é o que mais finaliza e o que mais fez gols, mas já foi assim no ano passado também.
Então, por isso que eu quebro muito essa resistência aos três zagueiros. O que que tem os três zagueiros? O que importa os três zagueiros? Isso não importa mais em futebol, o que importa é o que você faz com a bola e sem a bola. Quem é que vai ser liberado pra atacar? Quem é que vai dar cobertura pra esse cara atacar? Isso é a confiança que você tem que ter. Então você não tem o maior artilheiro, não tem um grande time, mas tem o melhor ataque. Como é que você faz isso?
Continua...

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4 Comments:

  • At 3:25 PM, Anonymous Anônimo said…

    Grande EMERSON, vê se deixa de ser bairrista (heheheheheh) e seja mais COSMOPOLITA. Agora que fui devidamente DEFENESTRADO do blog do Lédio tenho que ter um outro blog pra falar minhas besteiras. Pra seu azar, escolhi o seu hhehehehehe Mas praticamente você só posta sobre o SPFC ou sobre times de SAMPA, pô! Assim fica difícil. HEHEHEHE
    Mas, falando sério, saiu publicado ontem no globoesporte.com que o Flamengo está fazendo uma previsão de receita para 2009 de 160 milhões. Até aí tudo bem, mas só que está prevista uma arrecadação de BILHETERIA de 22 milhões (líquidos). Será possível isso? Tudo bem que a MEGALOMANIA FLAMENGA deve estar incluindo receitas de renda de jogos do Fla até a final da Libertadores/2009, mas, mesmo assim, estou achando muito tendo em vista que TODO MUNDO diz que a receita com bilheteria tem pouco peso na RECEITA GERAL de um clube de futebol. Gostaria de ouvir a sua OPINIÃO COMO ESPECIALISTA.

     
  • At 3:27 PM, Anonymous Anônimo said…

    Saiu como anônimo o post acima, mas eu coloquei meu nome, Maurício Pena.

     
  • At 3:54 PM, Blogger Emerson said…

    Fala, Maurício.

    É... De fato, preciso ampliar um pouco o leque de cobertura, mas é difícil, em função de tempo e acesso.
    Por outro lado, Muricy é cosmopolita.

    :o)

    Interessante essa projeção de receitas do Flamengo. Mas para uma análise um pouco mais fundamentada, preciso conhecer as diferentes fontes previstas.

    Sobre a bilheteria: 22 milhões não é besteira, é possível, sim, para o Flamengo. Desde que o time chegue a fases finais do Carioca e da Libertadores, além de, principalmente, ter um bom desempenho no Brasileiro.

    Chegando ás quartas, semi e final da Libertadores, os preços não só podem como devem aumentar. Isso tornaria plenamente factível a meta de 22 milhões líquidos.

    Factível, também, porque as taxas do Maracanã são bem camaradas - um dos motivos pelos quais a CBF reluta em jogar em SP é o custo do Morumbi. O São Paulo, na visão da CBF, cobra muito caro.

    Vou procurar essa previsão no site do CRF amanhã, mas se você tiver um endereço com ela, por favor, envie para mim. Pode ser aqui ou no emersonsrpq@gmail.com

    Tk's.

     
  • At 4:12 PM, Anonymous Anônimo said…

    EMERSON,

    Não consegui nada no site do flamengo. Só tenho esses dados do globoespote.com:

    Direitos de televisão – R$ 40 milhões

    Fornecedor de material esportivo (Olympikus): R$ 20,6 milhões

    Patrocinador (Petrobras): R$ 21 milhões

    Bilheteria (renda líquida): R$ 22 milhões

    Receitas com quadro social: R$ 8 milhões

    Royalties: R$ 10 milhões

    Venda de direitos econômicos de atletas: R$ 31 milhões

    Outros (incluindo a FlaTV): R$ 7,4 milhões

    Total: R$ 160 milhões

    Maurício Pena

     

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